segunda-feira, 17 de maio de 2010

Máxima mínima

Há diamantes na vitrine e no cofre. Nenhum tão reluzente quanto o que depositamos na alma.

(Ayrton Baptista Junior)

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Máxima mínima

Um final infeliz é apenas o início do próximo final feliz.

(Ayrton Baptista Junior)

domingo, 9 de maio de 2010

Montanhas

Viver é escalar montanhas. Quando chegamos ao topo de uma, logo avistamos outra. Há risco de queda. Porém, nada que arranhe os valentes. É que estes admitem perder, mas jamais não lutar.

(Ayrton Baptista Junior)

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Uma viagem por BA-BA-BA-BA-BABY

Do que escrevi sobre arte, é o texto que mais gosto. É de 2002.

Uma viagem por
BA
BA
BA
BA
BABY

Ayrton Baptista Junior


Quando Baba se apresentou aos meus ouvidos, logo troquei de estação e fui à cata de outra música que me caísse melhor. Mas se fugi do refrão “Baba, Baby”, a batida da música, que eu sequer ouvira inteira, grudou na memória. E tanto ficou que, ao chegar em casa à noite, imediatamente a procurei no rádio. E foi assim um dia, outro dia, mais um dia. Já estava quase a pedindo no ar. Não tencionava “analisá-la”. Queria apenas ouvir a música pelo mesmo motivo que ouço outras melodias: simplesmente para ouvir música.

Nas primeiras destas audições, creditava o meu interesse por Kelly Key à uma história pouco comum nas letras da MPB: a da mulher que festeja esnobar o homem pelo qual se apaixonara tempos atrás. Na música brasileira, é difícil para uma mulher dispensar o homem pelo qual sofreu.

Em Olhos nos Olhos, de Chico Buarque, por exemplo, a mulher afirma: “Quantos homens me amaram bem mais e melhor que você”, mas, logo adiante, nega a certeza de que não querer mais vê-lo: “A casa é sempre sua, venha sim”.

Não se trata, claro, de comparar Andinho, o letrista de Baba, com um dos maiores compositores brasileiros — e tampouco de afirmar a letra de Baba como avalista de alguma poesia. Apenas constato que as mulheres se comportavam diferente em outras letras. Mas, ainda sobre Andinho, é bom atentar para o moço que coloca em Anjo, outra da moça, duas frases magníficas:

“É de pedra a porta do seu coração” e “Te venerar é minha sina”.

Era, porém, a batida primitiva da música, e não a letra, que me conquistava. Assim como em Cabeça, de Walter Franco, e em alguns trabalhos de Arrigo Barnabé parecia não haver música em Baba. O som que parece o de uma caixa de madeira, numa primeira escuta, soa tão limitado que parece não ter nada ali. Mas tem. Baba é o buraco da agulha pelo qual passa um camelo.

Certa noite, uma ouvinte pediu Kelly Key e eu gravei Baba para ouvir a rodo. Uma, duas, dez vezes seguidas. Aos poucos, comecei a escutar a música por partes. A garota é uma ótima intérprete. Em Baba, a mesma história é contada três vezes. Na primeira, a voz é mais agressiva e na segunda, mais afirmativa. Na terceira, Kelly Key leva a música adiante como se comandasse uma bateria de escola de samba no instante em que há a “paradinha”. Neste ponto, Baba revela ser filha dileta do samba do breque. Esta linhagem, o falar carioca do samba, não é a única ascendência de Baba, que também alia rock industrial, marcha e modinha.

Baba me retornou à memória formas geométricas (quadrados, retângulos) de pinturas em branco-e-preto que esnobei — e continuo a esnobar. Kelly Key também me fez compreender melhor, intuitivamente, um “olhar” matemático-formal sobre arte — experiência semelhante tive no cinema com O Ano Passado em Marienbad, de Alain Resnais. Não acabou: lembrei do vermelho nas pinturas de Arcangelo Ianelli e dos feixes brancos sobre fundos escuros dos filmes de Man Ray —aqui, um fascínio pré-Kelly Key.

Imaginei o refrão
BA
BA
BA
BA
BABY

Ou

BABA
BABA
BA
BABY

escrito e achei uma insólita citação ao jogo de palavras que mais se vale da geometria e que mais atrai os matemáticos: a poesia concreta (da qual, aviso, não sou fã).

Defendo as citações (claro que não pensadas) do canto de
Kelly Key (ou seja, obra dela) à modinha em “istoépravocêaprenderanuncamaismeesnobar” (lalalalalalalalalalalalalalalalalalalalaalalalala),

e ao samba de breque em
“que só quer me iludir/me enganar/isso é caô”

Friso também as duas alusões ao samba de enredo, quando tem início a terceira narração da história:
“ôô”
(paradinha, quando se ouve um suposto estalar de prato de bateria);
“ ‘ce não acreditou/
você sequer notou/
disse que eu era mui-to-nova-pra-você”
(seguido de dois toques que lembram o bumbo reiniciando a marcha).

O que a aproxima da música atonal é a sua batida, aparentemente despida de melodia (para percebê-la, tente driblar a voz da cantora).

O retângulo vem por
“BABA/BABA”
e o quadrado, da base rítmica, cujo acorde sempre se fecha, não restando nada “em aberto”.

Por vezes, achei que tornara muito cerebral o que poderia não ser mais do que um brinquedo de adolescentes. O mais curioso, porém, é o fato de Kelly Key não me ter empurrado para a música pop, mas para a música clássica. Depois de ouvir Baba várias vezes, tive o desejo, o impulso (sei lá o porquê) de ouvir Wagner, Mozart e Mahler e outros compositores que sequer estavam entre os meus preferidos. Coloquei a abertura de Tannhäuser para escutar. Ouvi várias vezes e me atirei em outros clássicos com uma volúpia que há muito não tinha para o gênero — alguns CDs já adormeciam numa velha caixa de sapatos.

Óbvio que a intenção de Andinho, DJ Cuca e de Kelly Key (os criadores) não foi a de fazer uma música com tantas possibilidades. Pois, fizeram! Baba é um caso em que o sistema aparece à frente da margem. Uma canção que costura aspectos do que se chamou de vanguarda no século passado (música atonal) com a música carioca — seja a de “raiz” ou a nova música urbana — não apenas deve ser catalogada como Música Popular Brasileira como também é capaz de alimentar aos que buscam, desesperadamente, renová-la. A melodia do trecho corrido “Isto-é-pra-você-aprender-a-nunca-mais-me-esnobar”, por exemplo, evoca Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga.

Alguém ainda irá discorrer sobre as propriedades geométricas desta “singela” canção adolescente. Só lamento que Baba não tenha tocado no rádio nos anos 80, época em que reprovei duas vezes. Ambas em geometria.