sexta-feira, 30 de abril de 2010

Palavra soprada

Um sussurro denuncia o desejo. Palavra soprada, o nome da bela alcança a janela e encontra o infinito. Uma linha avista e avisa a palavra: “Eu sei desenhá-la!”. Traços tão belos e fiéis à palavra que, apaixonada, responde: “Não sei descrevê-la”.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Máxima mínima

Você me ajuda a pintar a casa e eu te faço subir pelas paredes.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Sopros de Nova Iorque

Não conheço Nova Iorque. Mas se Nova Iorque é a dos filmes eu estou em dia com o carnê dos cosmopolitas, pois habitam em Curitiba cenas que nem Woody Allen filmou. Vai ver.. é por isto que Francis Ford Copolla andou por aqui (em 2003).

Noite destas, caminhava pela Comendador Araújo, quando fui assaltado pelo Saul do Trumpete. Não me levou dinheiro, nem documentos e eu fiquei no lucro da boa música. Saul e sua trupe disparam jazz de primeira, às sextas, na calçada do John Bull Café. Isto mesmo: na calçada! É o movimento do Jazz Sem Teto. Tem em Manhattan?

Desembarca em Nova Iorque gente de todo tipo. Mas é covardia falar da XV, onde há artistas e chatos (alguns reúnem ambas as qualidades), músicos, poetas, pintores, artesãos e cartazistas ambulantes, mendigos e locutores de reclames, de segunda à domingo sem fechar para almoço. Então, passo ao Museu Oscar Niemeyer e ao Bosque do Papa, onde fauna e flora também são variadas.

No “museu do olho”, sobram exposições que os estudantes curitibanos de 30 anos atrás só veriam se embarcassem para o Masp: Lasar Segall, Tomie Ohtake, fotografia alemã, tapeçaria belga, gravuras mexicanas. Ao redor, há piruetas de garotos que dançam movidos a funk e hip-hop (lembra do break?) e o passeio de dezenas de cachorros, e seus zelosos donos, num jardim que acolhe todas as raças.

No bosque, distante da porção turista que se entusiasma com as casas polonesas, candidatos a Raul Seixas e Renato Russo arriscam no violão e, vez por outra, os batuqueiros do Boizinho Faceiro avisam que é a hora do maracatu. O Central Park não acabou: circunspectos senhores cumprem a rotina de caminhada, avós brincam com os netos e aquela árvore sente o aroma de marijuana.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Máxima mínima

Um homem só é forte quando reconhece que é fraco.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Preciso Dizer Que Te Amo

Em 1990, vi Bebel Gilberto num vazio teatro Paiol. Se tanto, umas 30 pessoas na plateia. Até então, pra mim, ela era apenas a moça do dueto A Mais Bonita com Chico Buarque, a mais bela das canções de Chico. Quis comprar o disco, que sequer havia. Ela cantou Preciso Dizer Que Te Amo. Bebel nunca voltou a Curitiba, mas a ouço de novo porque... eu preciso dizer que te amo!

quarta-feira, 21 de abril de 2010

O maior jogo da minha história

Nunca ter visto o Coritiba ganhar um taça em casa contra o Atlético é uma frustração no meu currículo de torcedor. Se não basta este motivo, ofereço mais dois: eu estava lá em 1983, quando Freitas perdeu aquele gol feito; eu estava lá em 1990, quando Berg cometeu aquele gol contra. Sem dúvida, este clássico precisa ser o maior da história.

Chego uma hora antes ao Couto Pereira. Já não há mais lugar entre os poucos (12, acho) do setor de imprensa escrita, o que força eu e outros colegas a vermos o jogo nas cadeiras de torcedor. Já que me empurraram para a torcida… o jeito é torcer!

Temo ao ver Alex Mineiro em campo. Afinal, é mítico de um Atletiba promover renegados, como Henrique Dias, ou ressurreições. Alex não incomoda, mas Paulo Baier… santo travessão!

Eu lá vendo e anotando. Chapéu em Vangeas. Como joga este Marcos Paulo! Anoto e levanto da cadeira pra gritar o gol de Rafinha… pra fora. Tá pra sair o gol, o jogo é nosso, ninguém mais tira. Ou tira? Tira Edson Bastos o doce da boca de Paulo Baier. Santo goleiro!

Intervalo: 0 a 0. Comento com os amigos que, no início, Tartá estava querendo jogo. Reinício. Rafinha toca para Marcos Aurélio, aquele que, na pior hora, pôde fazer as malas, mas preferiu ficar. E fica mais um gol de Marcos Aurélio para a história do Atletiba. Sai do chão!

O torcedor comemora. O jornalista não tira o olho do jogo e vê Tartá “ele quer jogo!”, a sós com o goleiro na área. São Edson Bastos! De novo!

Placar: 1 a 0. Mesmo o empate nos mantém na ponta, mas voltar domingo não dá. Há risco do torcedor estar num estádio e o campeão em outro. Como fica o jornalista?

Ah… esqueci de falar que o Atletiba também eterniza promessas. Aí vai Geraldo, o piá angolano. Ele entorta Manoel e Chico, ainda faltam 16 minutos para o final, entra na área e… o Verdão é campeão! Incontestável!

Eu estava lá quando Carlinhos Paraíba e Keirrison aplicaram 2 a 0 em 2008. Mais: eu estava lá no 5 a 1 de 1995. Aqueles 5 gols valeram muito, mas os 2 deste domingo valeram muito mais. Este Atletiba consegue ir além de “o maior clássico da história”. Nem os títulos na Arena da Baixada, nem o Maracanã de 1985 superam. É este o dia de futebol que vai comigo até o dia do Juízo Final. O maior jogo da minha história!

*****

18 de abril de 2010: Coritiba 2 x 0 Atlético. Coxa campeão paranaense.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Círculos ao redor da mesa

Andava em círculos ao redor da mesa. Teias de pó e aranhas pisoteadas o cercavam. A poeira se acumulava quanto mais as janelas se abriam. Ela permitia ao vento que ventasse, mas se um sopro varresse a poeira, as janelas morreriam em estrondos de pás de cimento.

Uma multidão de portas abertas o rodeava e ele vivia a dizer a ela o que dissera havia pouco. Ela permanecia ali a ouvir o que ele dissera ontem, o mesmo que dissera anteontem com as mesmas vírgulas e exclamações. No íntimo, ele queria que ela fugisse dali. Não desejava vê-la partilhar de seus dias amargos. Penumbras e sobras de primavera se digladiavam naquele quarto.

Talvez sem querer, ela havia estacionado seus dias ali. Após muito falar ele e ouvir falar ela, não havia mais o que falar e ouvir. Para que o silêncio não fosse denunciado, pontos perdidos serviriam aos pares de olhos. Ela ainda olharia as portas e até as atravessaria. Tudo para fazê-lo ver que nada ali era miragem.

As noites embutiam calor e se anunciavam intensas. Se cumprida a intensidade, raios de sol entrariam por todos os poros. Mas o encontro não terminaria em abraços, adeus ou até logo. Numa quase madrugada, ao tentar cruzar os olhos seus com os dela, perceberia estar de volta só. Algum sopro de vida passou perto e ela embarcou.

Ele nada mais diria. Se debruçaria sobre a poeira e continuaria a andar em círculos. Vez que outra queimaria fotografias amareladas. O fogaréu as levaria e elas perderiam o amarelo.

O incêndio tornaria os retratos ainda mais presentes.

*****

Ayrton Baptista Junior, em 2003

terça-feira, 13 de abril de 2010

Máxima mínima

John Lennon só era a favor da paz porque no tempo dele não existia telemarketing.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Trago Traços e Teço à Ti

Teço a noite em linhas afáveis. Arrisco quase e em pedaços que ampliam formas vôo tudo. As linhas, sim, finas são tênues. Não há o que ou mãos a provê-las de espessura.

Trago traços trilhados e, fraco, crio e falho num dia que não é mais ontem. Vejo vãos aptos ao abismo e movo crenças em um jorrar coberto de folhas baratas e urgentes. Percebo falharem espelhos, mas não rosto, lágrimas e verbos em desistências. Estes soluço a conjugar na pessoa que sou, mas meu desespero reprova em gramática.

Na esquiva ao abrupto, volto à tecelagem e, tranquilo, traço leve. Entre linhas que me são mães, noto um berço que me adota em almofadas. Se algo ocorre na rua central já não é o meu nada. Aplico em vida e as onomatopéias selam horrores que em mim se aposentam.

Nas linhas que me são criadas deixo pontas de passos calmos e guris. Ao sábado de luz tal a sua, penso um soneto que caia música em nós. Falto ao acorde, não cifro ao solista, nem sei partitura, mas ouço como ouço a música. Em frente ao verso, entro em asas, e no êxtase, caio em graça.

Teço à noite e noto luzes em casarios. Há muitos e mais a tecer. Finco as linhas que me são aqui. Se frágeis, não apenas elas. Nelas, vivo o quanto é meu, mas choro porque não há nós. E cravo em mim, na falta de nós, a ausência de ti.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Máxima mínima

Amar é... lembrar a ela que tem liquidação no Shopping Total.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Acasaladas

Mãos tateiam, brincam e se fecham: uma na outra.

Acasaladas percebem: antes de se tocarem já estavam coladas.

*****

Ayrton Baptista Junior, abril de 2000.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

À festa com Helena e Maria Lucia

Falo aqui sobre cinco minutos que me são tão fundamentais quanto o oxigênio: o encontro de Helena Ignez e Maria Lucia Dahl em Cara a Cara, de 1967. É o primeiro filme do Julio Bressane, escandalosamente bem falado, fotografado, musicado, montado, silenciado...

Inicialmente, as belas se animam por uma festa. Em seguida, vestem trajes de época, num belo jardim, tendo a companhia de um amigo (João Paulo Adour). Aqui, há uma leveza de Jules e Jim às avessas evocando o cinema mudo: além da ausência de fala, joga-se com caras (ambas olham pra mim, tal como Anna Karina nos filmes de Godard), bocas e passos ligeiros, como num curta-metragem do Lulu de Barros dos anos 20.

Creio ter visto tal seqüência umas 800 vezes porque me fixei na idéia de “ir à festa”. Ou seja, encontrei os meus heróis, os determinados que vão à festa.

Sou tão apegado a Cara a Cara, que sequer empresto a fita por não querer ver minhas musas dormindo fora de casa... De tanto ver o encontro, acabei tomando parte nele, pois conheci as duas (incrível: Maria Lucia e eu fazemos aniversário no mesmo dia).

Passa de vez em nunca no Canal Brasil e tem outros pontos brilhantes:

1) o político (Paulo Gracindo) discursando para um plenário vazio (o canto sem letra de Maria Bethânia é a trilha que detona a necessidade de um grito).

2) a dificuldade de comunicação: Luciana (Helena) e seu namorado (Paulo Padilha) se encontram numa praça e sentam um em cada canto.

3) o nervosismo dos poderes político e religioso reunidos num terraço. Aqui, o cenário e o passeio da câmera lembram Terra em Transe, o que talvez explique porque Cara a Cara é pouco citado. Mas na ponte Glauber Rocha-Julio Bressane o discípulo sai-se melhor do que o mestre.

4) o desgosto no rosto do frustrado burocrata (Antero de Oliveira) que cuida da mãe doente (Vanda Lacerda) e sonha com uma bela garota (Helena).

Bressane tem dois rostos: o angustiado (Antero) e o animado (João Paulo). Eu sou o segundo, o que vai à festa com a Helena e a Maria Lucia!

*****

Ayrton Baptista Junior, janeiro de 2005

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Cinema, a peça, é o delírio dos cinéfilos

Felipe Hirsch é mentiroso. No palco do Guairinha, o diretor avisa que Cinema, a nova investida da Companhia Sutil, está quase no ponto, mas que veremos ainda um ensaio aberto. Balela. Para delírio dos cinéfilos, Cinema, a peça, está pronta!

O público ocupa cadeiras no palco do teatro. À sua frente, o elenco incorpora cinéfilos espalhados num cinema de poltronas vermelhas (iguais à do extinto Ritz, da XV). O filme (que não vemos) já começou e a iluminação reproduz o efeito de claridade provocada pela tela. A peça (que vemos) já começou.

O que Cinema exibe é a vingança dos cinéfilos. Não entendeu? É que seres desta espécie, como eu, são frequentemente acusados de verem a vida dos outros, a dos personagens, de não viverem. Meu irmão! A gente vive um bocado!

O som denuncia vários gêneros (trechos de comédia romântica, musical, aventura, drama, Nouvelle Vague, A Doce Vida, São Paulo S/A) e, sem que a projeção pare, os jovens atores da Sutil compõem esquetes num ritmo de baile que lembra o próprio: O Baile, filme de Ettore Scola (no salão deste, sem diálogos, passam 50 anos da história da França).

Nesta sessão corrida há a espectadora com as falas decoradas do melodrama, os estudantes que dormem na mostra alemã, o encontro de um casal que discorre longamente sobre os contra-planos do novo cinema oriental, a que incorpora uma Judy Garland e dança sobre as cadeiras, os que são tomados pelo rock, romances feitos e desfeitos, e um sem-fim de amassos, um deles com a participação da mulher de duas cabeças.

À certa altura, a sessão é interrompida por um diretor que fala, em russo, sobre a sua arte. Felizmente, o sujeito vai embora ao perceber que não agrada. Ele desconfia que o melhor cinema não é o que se explica, mas o que é visto e vivido. Dentro do cinema.

*****

Ayrton Baptista Junior, 2010