terça-feira, 20 de abril de 2010

Círculos ao redor da mesa

Andava em círculos ao redor da mesa. Teias de pó e aranhas pisoteadas o cercavam. A poeira se acumulava quanto mais as janelas se abriam. Ela permitia ao vento que ventasse, mas se um sopro varresse a poeira, as janelas morreriam em estrondos de pás de cimento.

Uma multidão de portas abertas o rodeava e ele vivia a dizer a ela o que dissera havia pouco. Ela permanecia ali a ouvir o que ele dissera ontem, o mesmo que dissera anteontem com as mesmas vírgulas e exclamações. No íntimo, ele queria que ela fugisse dali. Não desejava vê-la partilhar de seus dias amargos. Penumbras e sobras de primavera se digladiavam naquele quarto.

Talvez sem querer, ela havia estacionado seus dias ali. Após muito falar ele e ouvir falar ela, não havia mais o que falar e ouvir. Para que o silêncio não fosse denunciado, pontos perdidos serviriam aos pares de olhos. Ela ainda olharia as portas e até as atravessaria. Tudo para fazê-lo ver que nada ali era miragem.

As noites embutiam calor e se anunciavam intensas. Se cumprida a intensidade, raios de sol entrariam por todos os poros. Mas o encontro não terminaria em abraços, adeus ou até logo. Numa quase madrugada, ao tentar cruzar os olhos seus com os dela, perceberia estar de volta só. Algum sopro de vida passou perto e ela embarcou.

Ele nada mais diria. Se debruçaria sobre a poeira e continuaria a andar em círculos. Vez que outra queimaria fotografias amareladas. O fogaréu as levaria e elas perderiam o amarelo.

O incêndio tornaria os retratos ainda mais presentes.

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Ayrton Baptista Junior, em 2003

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