quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Meus Grandes Fracassos da Minha Humanidade-III

Falei em suicídio. Ela disse pr’eu ter calma e ligar depois da novela.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Quando Belarmino e Gabriela ouviram rock

“As mocinhas da cidade são bonita e dançam bem”

(Mocinhas da Cidade, composição de Nhô Belarmino, 1959)


As mocinhas da cidade são bonitas, dançam bem e são ignoradas. Em 1993, a prefeitura de Curitiba fincou o Conservatório de MPB no Largo da Ordem e muitos dos agentes ali instalados apenas repetiram caminhos já consagrados do que é Música Popular Brasileira: Noel Rosa, Dorival Caymmi, Cartola, Pixinguinha, Tom Jobim, Chico, Caetano, Gil, etc...

A dupla Nhô Belarmino (1920-1984) e Nhá Gabriela (1923-1996), referência básica da cancão curitibana, ainda não se fez dona desta casa talvez porque falte a percepção de que a música feita aqui jamais terá vez nos bailes afora se não ofertar uma gritante originalidade. Então, que Curitiba sirva uma... pororoca da canção do Batel com a sonoridade do Boqueirão!

Não peço aqui uma passeata que ordene a execução de Mocinhas da Cidade e, tampouco, sua imediata aceitação. Só quero que ela seja ouvida, vomitada, incorporada e agredida. Por isso, sugiro uma radicalização da música urbana quanto à Mocinhas e suas descendências periféricas-rurais: ou a adoração feito lua-de-mel ou a alucinada sangria com tiros à queima-roupa. Os dois caminhos hão de tornar a música de Curitiba mais urgente e vibrante, pois técnica e bem aplicada ela já é.

A pergunta não é “qual a banda de rock que vai explodir nacionalmente” (como se a modernidade apregoada em Curitiba ficasse mais lustrosa por conta do rock), mas “onde andam Campinho e Campeiro?”. O pop de Recife incorporou o maracatu. A moderna música de Porto Alegre não quer ser vanerão. Adotado ou escorraçado, o regional foi escutada e serviu para apontar uma estrada diferente da trilha de Londres, Berlim ou São Paulo. Uma estrada que até cruza com a das metrópoles, mas com legítima via própria.

(Ayrton Baptista Junior)


Escrito em 2005.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

No viés da cortina escura

Meu mundo caiu na primeira faixa do lado A...

... entre recortes de jornais amarelados dos tempos (todos) em que não sorrimos.

... podando do claro o avanço do viés da cortina escura no escape da janela.

... no desconforto de um novelo de roupas amontoadas que absorvem duas laudas inteiriças e uma terceira a ser preenchida de um escrito que vomita à lógica.

... e na estampa de um gênio em transe na capa de um livro.

... e na imagem de mulheres e homens que sonhavam de faixas e sandálias e gritavam abaixo e contra.

... num imaginário armazém de cabeças de senhores encastelados e cortados sob a violência que destila um vermelho expresso de sangue no taco descolado do piso que se alimenta de pó.

... no redemoinho da memória de um pátio de escola frustrado por não ser quartel.

... entre xícaras de café tomadas pelos dias e pelas moscas.

... dentro de um pacote de supermercado que gruda extrato de margarina e pães de meses.

... e num pedaço de papel amassado onde o tingimento azul da caneta mais barata escreveu o nome composto da menina mais bonita.

... envolto no grito não gritado de farra farsa de cidade que brada Europa.

... e na ânsia de querer ver extraditada uma unha.

... e no medo do revolto dragão desenhado em página dupla.

... desesperado por não ter partido a cabeça numa corrida contra a parede branca e consciente de que não será iluminada.

... sem forças para pesquisar uma faca entre pilhas gastas e moedas em desuso.

... na ausência da coragem para que o pulso sirva à lâmina.

... no arrependimento de não ter sido a palavra final da discussão.

... na diplomacia de não ter cuspido, cunhado e grunhido um palavrão.

... na fisionomia de acomodado que finge aceitar: é assim.

Meu mundo caiu na fraqueza do abrigo que ceifa a mão quando ela é desejosa por abrir a cortina.


(Ayrton Baptista Junior, 1999)

segunda-feira, 12 de julho de 2010

O dia em que Isabelle Huppert (enfim!) me conheceu

Em 1991, fui ao cine Luz, aqui em Curitiba, ver Um Assunto de Mulheres, filme de Claude Chabrol, e saí encantando com a atriz Isabelle Huppert, da qual nunca ouvira falar.

Desde então, tal como já fizera embalado pelas também francesas Miou-Miou, Isabelle Adjani, Sandrine Bonnaire e Beatrice Dalle, fui atrás de tudo o que pudesse ver com a moça, cujo nome pronunciava de forma errônea: "Uperti".

Vi de uma ponta em Dois Aventureiros e uma Mulher à Mulheres Diabólicas, com Sandrine, Amor à Primeira Vista, com Miou;
Um Amor Tão Frágil, Loulou, com Gerard Depardieu, A Professora de Piano (outra magnífica atuação!), Salve-se Quem Puder — A Vida, com Nathalie Baye e outros tantos (filmes de Chabrol, Michel Deville, Bertrand Blier, Diane Kurys, Jean-Luc Godard, Michael Haneke) e cismei que um dia conheceria aquele mulher. Imaginava até uma peça de teatro com as minhas musas.

Pois não é que em fevereiro de 2003 a Bebele veio mesmo? Peguei um ônibus, fui a São Paulo, mas não consegui entrar no teatro SESC Consolação. Lá fora, conversei com um, outro, até que cheguei a produtora, graças ao motorista que transportava a atriz. Mostrei algumas fotos que tinha dela, cuja discrição não me surpreendeu. Falei em português mesmo (citando nomes de filmes, atrizes) ela deu algumas risadas e foi embora, pois uma recepção a esperava no Consulado.

Na rodoviária, chorei: encontrei não apenas uma atriz francesa, mas justamente a atriz que eu queria conhecer e que já a considerava a maior 12 anos antes. Conclui que se o mito e a fantasia chegaram tão perto, não havia porque criar tanto impasse na vida real.

Escrito em 2006.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Meus Grandes Fracassos da Minha Humanidade-II

“Ah se tu soubesses como sou tão carinhoso” tu dirias que faço propaganda enganosa.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Máxima mínima

Há diamantes na vitrine e no cofre. Nenhum tão reluzente quanto o que depositamos na alma.

(Ayrton Baptista Junior)

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Máxima mínima

Um final infeliz é apenas o início do próximo final feliz.

(Ayrton Baptista Junior)

domingo, 9 de maio de 2010

Montanhas

Viver é escalar montanhas. Quando chegamos ao topo de uma, logo avistamos outra. Há risco de queda. Porém, nada que arranhe os valentes. É que estes admitem perder, mas jamais não lutar.

(Ayrton Baptista Junior)

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Uma viagem por BA-BA-BA-BA-BABY

Do que escrevi sobre arte, é o texto que mais gosto. É de 2002.

Uma viagem por
BA
BA
BA
BA
BABY

Ayrton Baptista Junior


Quando Baba se apresentou aos meus ouvidos, logo troquei de estação e fui à cata de outra música que me caísse melhor. Mas se fugi do refrão “Baba, Baby”, a batida da música, que eu sequer ouvira inteira, grudou na memória. E tanto ficou que, ao chegar em casa à noite, imediatamente a procurei no rádio. E foi assim um dia, outro dia, mais um dia. Já estava quase a pedindo no ar. Não tencionava “analisá-la”. Queria apenas ouvir a música pelo mesmo motivo que ouço outras melodias: simplesmente para ouvir música.

Nas primeiras destas audições, creditava o meu interesse por Kelly Key à uma história pouco comum nas letras da MPB: a da mulher que festeja esnobar o homem pelo qual se apaixonara tempos atrás. Na música brasileira, é difícil para uma mulher dispensar o homem pelo qual sofreu.

Em Olhos nos Olhos, de Chico Buarque, por exemplo, a mulher afirma: “Quantos homens me amaram bem mais e melhor que você”, mas, logo adiante, nega a certeza de que não querer mais vê-lo: “A casa é sempre sua, venha sim”.

Não se trata, claro, de comparar Andinho, o letrista de Baba, com um dos maiores compositores brasileiros — e tampouco de afirmar a letra de Baba como avalista de alguma poesia. Apenas constato que as mulheres se comportavam diferente em outras letras. Mas, ainda sobre Andinho, é bom atentar para o moço que coloca em Anjo, outra da moça, duas frases magníficas:

“É de pedra a porta do seu coração” e “Te venerar é minha sina”.

Era, porém, a batida primitiva da música, e não a letra, que me conquistava. Assim como em Cabeça, de Walter Franco, e em alguns trabalhos de Arrigo Barnabé parecia não haver música em Baba. O som que parece o de uma caixa de madeira, numa primeira escuta, soa tão limitado que parece não ter nada ali. Mas tem. Baba é o buraco da agulha pelo qual passa um camelo.

Certa noite, uma ouvinte pediu Kelly Key e eu gravei Baba para ouvir a rodo. Uma, duas, dez vezes seguidas. Aos poucos, comecei a escutar a música por partes. A garota é uma ótima intérprete. Em Baba, a mesma história é contada três vezes. Na primeira, a voz é mais agressiva e na segunda, mais afirmativa. Na terceira, Kelly Key leva a música adiante como se comandasse uma bateria de escola de samba no instante em que há a “paradinha”. Neste ponto, Baba revela ser filha dileta do samba do breque. Esta linhagem, o falar carioca do samba, não é a única ascendência de Baba, que também alia rock industrial, marcha e modinha.

Baba me retornou à memória formas geométricas (quadrados, retângulos) de pinturas em branco-e-preto que esnobei — e continuo a esnobar. Kelly Key também me fez compreender melhor, intuitivamente, um “olhar” matemático-formal sobre arte — experiência semelhante tive no cinema com O Ano Passado em Marienbad, de Alain Resnais. Não acabou: lembrei do vermelho nas pinturas de Arcangelo Ianelli e dos feixes brancos sobre fundos escuros dos filmes de Man Ray —aqui, um fascínio pré-Kelly Key.

Imaginei o refrão
BA
BA
BA
BA
BABY

Ou

BABA
BABA
BA
BABY

escrito e achei uma insólita citação ao jogo de palavras que mais se vale da geometria e que mais atrai os matemáticos: a poesia concreta (da qual, aviso, não sou fã).

Defendo as citações (claro que não pensadas) do canto de
Kelly Key (ou seja, obra dela) à modinha em “istoépravocêaprenderanuncamaismeesnobar” (lalalalalalalalalalalalalalalalalalalalaalalalala),

e ao samba de breque em
“que só quer me iludir/me enganar/isso é caô”

Friso também as duas alusões ao samba de enredo, quando tem início a terceira narração da história:
“ôô”
(paradinha, quando se ouve um suposto estalar de prato de bateria);
“ ‘ce não acreditou/
você sequer notou/
disse que eu era mui-to-nova-pra-você”
(seguido de dois toques que lembram o bumbo reiniciando a marcha).

O que a aproxima da música atonal é a sua batida, aparentemente despida de melodia (para percebê-la, tente driblar a voz da cantora).

O retângulo vem por
“BABA/BABA”
e o quadrado, da base rítmica, cujo acorde sempre se fecha, não restando nada “em aberto”.

Por vezes, achei que tornara muito cerebral o que poderia não ser mais do que um brinquedo de adolescentes. O mais curioso, porém, é o fato de Kelly Key não me ter empurrado para a música pop, mas para a música clássica. Depois de ouvir Baba várias vezes, tive o desejo, o impulso (sei lá o porquê) de ouvir Wagner, Mozart e Mahler e outros compositores que sequer estavam entre os meus preferidos. Coloquei a abertura de Tannhäuser para escutar. Ouvi várias vezes e me atirei em outros clássicos com uma volúpia que há muito não tinha para o gênero — alguns CDs já adormeciam numa velha caixa de sapatos.

Óbvio que a intenção de Andinho, DJ Cuca e de Kelly Key (os criadores) não foi a de fazer uma música com tantas possibilidades. Pois, fizeram! Baba é um caso em que o sistema aparece à frente da margem. Uma canção que costura aspectos do que se chamou de vanguarda no século passado (música atonal) com a música carioca — seja a de “raiz” ou a nova música urbana — não apenas deve ser catalogada como Música Popular Brasileira como também é capaz de alimentar aos que buscam, desesperadamente, renová-la. A melodia do trecho corrido “Isto-é-pra-você-aprender-a-nunca-mais-me-esnobar”, por exemplo, evoca Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga.

Alguém ainda irá discorrer sobre as propriedades geométricas desta “singela” canção adolescente. Só lamento que Baba não tenha tocado no rádio nos anos 80, época em que reprovei duas vezes. Ambas em geometria.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Palavra soprada

Um sussurro denuncia o desejo. Palavra soprada, o nome da bela alcança a janela e encontra o infinito. Uma linha avista e avisa a palavra: “Eu sei desenhá-la!”. Traços tão belos e fiéis à palavra que, apaixonada, responde: “Não sei descrevê-la”.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Máxima mínima

Você me ajuda a pintar a casa e eu te faço subir pelas paredes.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Sopros de Nova Iorque

Não conheço Nova Iorque. Mas se Nova Iorque é a dos filmes eu estou em dia com o carnê dos cosmopolitas, pois habitam em Curitiba cenas que nem Woody Allen filmou. Vai ver.. é por isto que Francis Ford Copolla andou por aqui (em 2003).

Noite destas, caminhava pela Comendador Araújo, quando fui assaltado pelo Saul do Trumpete. Não me levou dinheiro, nem documentos e eu fiquei no lucro da boa música. Saul e sua trupe disparam jazz de primeira, às sextas, na calçada do John Bull Café. Isto mesmo: na calçada! É o movimento do Jazz Sem Teto. Tem em Manhattan?

Desembarca em Nova Iorque gente de todo tipo. Mas é covardia falar da XV, onde há artistas e chatos (alguns reúnem ambas as qualidades), músicos, poetas, pintores, artesãos e cartazistas ambulantes, mendigos e locutores de reclames, de segunda à domingo sem fechar para almoço. Então, passo ao Museu Oscar Niemeyer e ao Bosque do Papa, onde fauna e flora também são variadas.

No “museu do olho”, sobram exposições que os estudantes curitibanos de 30 anos atrás só veriam se embarcassem para o Masp: Lasar Segall, Tomie Ohtake, fotografia alemã, tapeçaria belga, gravuras mexicanas. Ao redor, há piruetas de garotos que dançam movidos a funk e hip-hop (lembra do break?) e o passeio de dezenas de cachorros, e seus zelosos donos, num jardim que acolhe todas as raças.

No bosque, distante da porção turista que se entusiasma com as casas polonesas, candidatos a Raul Seixas e Renato Russo arriscam no violão e, vez por outra, os batuqueiros do Boizinho Faceiro avisam que é a hora do maracatu. O Central Park não acabou: circunspectos senhores cumprem a rotina de caminhada, avós brincam com os netos e aquela árvore sente o aroma de marijuana.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Máxima mínima

Um homem só é forte quando reconhece que é fraco.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Preciso Dizer Que Te Amo

Em 1990, vi Bebel Gilberto num vazio teatro Paiol. Se tanto, umas 30 pessoas na plateia. Até então, pra mim, ela era apenas a moça do dueto A Mais Bonita com Chico Buarque, a mais bela das canções de Chico. Quis comprar o disco, que sequer havia. Ela cantou Preciso Dizer Que Te Amo. Bebel nunca voltou a Curitiba, mas a ouço de novo porque... eu preciso dizer que te amo!

quarta-feira, 21 de abril de 2010

O maior jogo da minha história

Nunca ter visto o Coritiba ganhar um taça em casa contra o Atlético é uma frustração no meu currículo de torcedor. Se não basta este motivo, ofereço mais dois: eu estava lá em 1983, quando Freitas perdeu aquele gol feito; eu estava lá em 1990, quando Berg cometeu aquele gol contra. Sem dúvida, este clássico precisa ser o maior da história.

Chego uma hora antes ao Couto Pereira. Já não há mais lugar entre os poucos (12, acho) do setor de imprensa escrita, o que força eu e outros colegas a vermos o jogo nas cadeiras de torcedor. Já que me empurraram para a torcida… o jeito é torcer!

Temo ao ver Alex Mineiro em campo. Afinal, é mítico de um Atletiba promover renegados, como Henrique Dias, ou ressurreições. Alex não incomoda, mas Paulo Baier… santo travessão!

Eu lá vendo e anotando. Chapéu em Vangeas. Como joga este Marcos Paulo! Anoto e levanto da cadeira pra gritar o gol de Rafinha… pra fora. Tá pra sair o gol, o jogo é nosso, ninguém mais tira. Ou tira? Tira Edson Bastos o doce da boca de Paulo Baier. Santo goleiro!

Intervalo: 0 a 0. Comento com os amigos que, no início, Tartá estava querendo jogo. Reinício. Rafinha toca para Marcos Aurélio, aquele que, na pior hora, pôde fazer as malas, mas preferiu ficar. E fica mais um gol de Marcos Aurélio para a história do Atletiba. Sai do chão!

O torcedor comemora. O jornalista não tira o olho do jogo e vê Tartá “ele quer jogo!”, a sós com o goleiro na área. São Edson Bastos! De novo!

Placar: 1 a 0. Mesmo o empate nos mantém na ponta, mas voltar domingo não dá. Há risco do torcedor estar num estádio e o campeão em outro. Como fica o jornalista?

Ah… esqueci de falar que o Atletiba também eterniza promessas. Aí vai Geraldo, o piá angolano. Ele entorta Manoel e Chico, ainda faltam 16 minutos para o final, entra na área e… o Verdão é campeão! Incontestável!

Eu estava lá quando Carlinhos Paraíba e Keirrison aplicaram 2 a 0 em 2008. Mais: eu estava lá no 5 a 1 de 1995. Aqueles 5 gols valeram muito, mas os 2 deste domingo valeram muito mais. Este Atletiba consegue ir além de “o maior clássico da história”. Nem os títulos na Arena da Baixada, nem o Maracanã de 1985 superam. É este o dia de futebol que vai comigo até o dia do Juízo Final. O maior jogo da minha história!

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18 de abril de 2010: Coritiba 2 x 0 Atlético. Coxa campeão paranaense.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Círculos ao redor da mesa

Andava em círculos ao redor da mesa. Teias de pó e aranhas pisoteadas o cercavam. A poeira se acumulava quanto mais as janelas se abriam. Ela permitia ao vento que ventasse, mas se um sopro varresse a poeira, as janelas morreriam em estrondos de pás de cimento.

Uma multidão de portas abertas o rodeava e ele vivia a dizer a ela o que dissera havia pouco. Ela permanecia ali a ouvir o que ele dissera ontem, o mesmo que dissera anteontem com as mesmas vírgulas e exclamações. No íntimo, ele queria que ela fugisse dali. Não desejava vê-la partilhar de seus dias amargos. Penumbras e sobras de primavera se digladiavam naquele quarto.

Talvez sem querer, ela havia estacionado seus dias ali. Após muito falar ele e ouvir falar ela, não havia mais o que falar e ouvir. Para que o silêncio não fosse denunciado, pontos perdidos serviriam aos pares de olhos. Ela ainda olharia as portas e até as atravessaria. Tudo para fazê-lo ver que nada ali era miragem.

As noites embutiam calor e se anunciavam intensas. Se cumprida a intensidade, raios de sol entrariam por todos os poros. Mas o encontro não terminaria em abraços, adeus ou até logo. Numa quase madrugada, ao tentar cruzar os olhos seus com os dela, perceberia estar de volta só. Algum sopro de vida passou perto e ela embarcou.

Ele nada mais diria. Se debruçaria sobre a poeira e continuaria a andar em círculos. Vez que outra queimaria fotografias amareladas. O fogaréu as levaria e elas perderiam o amarelo.

O incêndio tornaria os retratos ainda mais presentes.

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Ayrton Baptista Junior, em 2003

terça-feira, 13 de abril de 2010

Máxima mínima

John Lennon só era a favor da paz porque no tempo dele não existia telemarketing.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Trago Traços e Teço à Ti

Teço a noite em linhas afáveis. Arrisco quase e em pedaços que ampliam formas vôo tudo. As linhas, sim, finas são tênues. Não há o que ou mãos a provê-las de espessura.

Trago traços trilhados e, fraco, crio e falho num dia que não é mais ontem. Vejo vãos aptos ao abismo e movo crenças em um jorrar coberto de folhas baratas e urgentes. Percebo falharem espelhos, mas não rosto, lágrimas e verbos em desistências. Estes soluço a conjugar na pessoa que sou, mas meu desespero reprova em gramática.

Na esquiva ao abrupto, volto à tecelagem e, tranquilo, traço leve. Entre linhas que me são mães, noto um berço que me adota em almofadas. Se algo ocorre na rua central já não é o meu nada. Aplico em vida e as onomatopéias selam horrores que em mim se aposentam.

Nas linhas que me são criadas deixo pontas de passos calmos e guris. Ao sábado de luz tal a sua, penso um soneto que caia música em nós. Falto ao acorde, não cifro ao solista, nem sei partitura, mas ouço como ouço a música. Em frente ao verso, entro em asas, e no êxtase, caio em graça.

Teço à noite e noto luzes em casarios. Há muitos e mais a tecer. Finco as linhas que me são aqui. Se frágeis, não apenas elas. Nelas, vivo o quanto é meu, mas choro porque não há nós. E cravo em mim, na falta de nós, a ausência de ti.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Máxima mínima

Amar é... lembrar a ela que tem liquidação no Shopping Total.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Acasaladas

Mãos tateiam, brincam e se fecham: uma na outra.

Acasaladas percebem: antes de se tocarem já estavam coladas.

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Ayrton Baptista Junior, abril de 2000.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

À festa com Helena e Maria Lucia

Falo aqui sobre cinco minutos que me são tão fundamentais quanto o oxigênio: o encontro de Helena Ignez e Maria Lucia Dahl em Cara a Cara, de 1967. É o primeiro filme do Julio Bressane, escandalosamente bem falado, fotografado, musicado, montado, silenciado...

Inicialmente, as belas se animam por uma festa. Em seguida, vestem trajes de época, num belo jardim, tendo a companhia de um amigo (João Paulo Adour). Aqui, há uma leveza de Jules e Jim às avessas evocando o cinema mudo: além da ausência de fala, joga-se com caras (ambas olham pra mim, tal como Anna Karina nos filmes de Godard), bocas e passos ligeiros, como num curta-metragem do Lulu de Barros dos anos 20.

Creio ter visto tal seqüência umas 800 vezes porque me fixei na idéia de “ir à festa”. Ou seja, encontrei os meus heróis, os determinados que vão à festa.

Sou tão apegado a Cara a Cara, que sequer empresto a fita por não querer ver minhas musas dormindo fora de casa... De tanto ver o encontro, acabei tomando parte nele, pois conheci as duas (incrível: Maria Lucia e eu fazemos aniversário no mesmo dia).

Passa de vez em nunca no Canal Brasil e tem outros pontos brilhantes:

1) o político (Paulo Gracindo) discursando para um plenário vazio (o canto sem letra de Maria Bethânia é a trilha que detona a necessidade de um grito).

2) a dificuldade de comunicação: Luciana (Helena) e seu namorado (Paulo Padilha) se encontram numa praça e sentam um em cada canto.

3) o nervosismo dos poderes político e religioso reunidos num terraço. Aqui, o cenário e o passeio da câmera lembram Terra em Transe, o que talvez explique porque Cara a Cara é pouco citado. Mas na ponte Glauber Rocha-Julio Bressane o discípulo sai-se melhor do que o mestre.

4) o desgosto no rosto do frustrado burocrata (Antero de Oliveira) que cuida da mãe doente (Vanda Lacerda) e sonha com uma bela garota (Helena).

Bressane tem dois rostos: o angustiado (Antero) e o animado (João Paulo). Eu sou o segundo, o que vai à festa com a Helena e a Maria Lucia!

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Ayrton Baptista Junior, janeiro de 2005

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Cinema, a peça, é o delírio dos cinéfilos

Felipe Hirsch é mentiroso. No palco do Guairinha, o diretor avisa que Cinema, a nova investida da Companhia Sutil, está quase no ponto, mas que veremos ainda um ensaio aberto. Balela. Para delírio dos cinéfilos, Cinema, a peça, está pronta!

O público ocupa cadeiras no palco do teatro. À sua frente, o elenco incorpora cinéfilos espalhados num cinema de poltronas vermelhas (iguais à do extinto Ritz, da XV). O filme (que não vemos) já começou e a iluminação reproduz o efeito de claridade provocada pela tela. A peça (que vemos) já começou.

O que Cinema exibe é a vingança dos cinéfilos. Não entendeu? É que seres desta espécie, como eu, são frequentemente acusados de verem a vida dos outros, a dos personagens, de não viverem. Meu irmão! A gente vive um bocado!

O som denuncia vários gêneros (trechos de comédia romântica, musical, aventura, drama, Nouvelle Vague, A Doce Vida, São Paulo S/A) e, sem que a projeção pare, os jovens atores da Sutil compõem esquetes num ritmo de baile que lembra o próprio: O Baile, filme de Ettore Scola (no salão deste, sem diálogos, passam 50 anos da história da França).

Nesta sessão corrida há a espectadora com as falas decoradas do melodrama, os estudantes que dormem na mostra alemã, o encontro de um casal que discorre longamente sobre os contra-planos do novo cinema oriental, a que incorpora uma Judy Garland e dança sobre as cadeiras, os que são tomados pelo rock, romances feitos e desfeitos, e um sem-fim de amassos, um deles com a participação da mulher de duas cabeças.

À certa altura, a sessão é interrompida por um diretor que fala, em russo, sobre a sua arte. Felizmente, o sujeito vai embora ao perceber que não agrada. Ele desconfia que o melhor cinema não é o que se explica, mas o que é visto e vivido. Dentro do cinema.

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Ayrton Baptista Junior, 2010

terça-feira, 30 de março de 2010

Meus Grandes Fracasssos da Minha Humanidade-I

Não suporto mulheres inteligentes. Elas sempre percebem a minha ignorância.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Agulhas de Depoimento cutucam atores, público e sistema de saúde

Para saber o que é a dor é preciso senti-la. Você já ouviu isto em algum lugar. Na peça Depoimento, que aborda o caos da saúde pública, aborto e tabus da sexualidade, a dor não é discurso. Ela é sentida literalmente pelo trio de atores do grupo Protótipo Utópico, de Londrina.

Inicia a história uma vítima de fratura no pé (Monica Bernardes), que espera três horas na fila de um hospital. A seguir, o andrógino (Normando Amazonas) aborta.

Acompanha a ação uma mesa com medicamentos, uma chapa para fritar bife e uma bacia. Parece dramático. E é, mas também é questionador da reação da própria platéia, pois nos é permitido conversar, andar, falar com os atores e até ao celular e rir da desgraça alheia.

Eu ri sem esconder enquanto Monica Bernardes quase vomitava ao comer bife de fígado, o que ela confessou odiar. E conversei tranquilamente com o ator-diretor Aguinaldo de Souza vendo o público o alfinetar com agulhas e ele tirar sangue da própria veia antes de rastejar até a calçada. Não é que eu seja sádico. É que Depoimento vai além do sofrimento ou do caos do sistema de saúde. É uma ótima quebra de barreira ator-personagem. Crítica ou exibicionismo? Some os dois e tenha uma contundente provocação.

Faltou mais daqueles incômodos cheiros de medicamento e alguns penicos para o espectador vomitar. São os únicos senões desta performance (e eu não sou de embarcar em qualquer performance). É que neste Depoimento quanto maior o mau gosto melhor o gosto.

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Ayrton Baptista Junior, hoje

terça-feira, 16 de março de 2010

O apreciador e a porcelana

Ao perceber a porcelana, o apreciador se aproxima, dá uma volta, se aproxima novamente. A porcelana desconfia que ele procura a seção de brinquedos.

O apreciador dá outra volta, se aproxima novamente, como quem avisa não querer brinquedos e que sabe admirar a porcelana. Quando a encontra.

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Ayrton Baptista Junior, em 2000

sábado, 13 de março de 2010

Minha Vontade de Dizer Eu Te Amo leu no jornal que o Amor saiu de moda

A campainha tocou insistentemente. “Quem será o chato? Logo num sábado de manhã?” Mas que nada... Uma visita muito especial: Minha Vontade de Dizer Eu Te Amo! Falei dela naquela noite. Lembra? Menina, você não sabe o bem danado que Minha Vontade de Dizer Eu Te Amo me traz.

Abri a porta, Minha Vontade de Dizer Eu Te Amo entrou, bateu no teto, de enorme que é, e mostrou um recorte de jornal. Veja que não é criança Minha Vontade de Dizer Eu Te Amo. É do tempo do jornal...

Alguém escreveu que o Amor saiu de moda. “Você acredita?”. Respondi que não, que já anunciaram a decadência de tanta coisa, do jeans, até da novela, e lembrei que o Amor é mais popular que a Coca-Cola. Por mais que o guardem numa fotografia, num arquivo de computador, todos querem levá-lo pra passear num sábado como hoje. Não tem jeito do Amor acabar!

Me empolguei tanto que Minha Vontade de Dizer Eu Te Amo sorriu ainda mais. A conversa prosseguiu, ofereci café e bolachas, mostrei a canção da Cris Mora: “O tempo de chorar... passou!/Ah... coração meu/amanheceu/Vem ver o sol que nasce na janela”.

Quem a conhece fala que Minha Vontade de Dizer Eu Te Amo é jovial, alegre, que nada a derruba. Se você tiver um tempinho (sei que a vida está corrida), eu te apresento ela.

Minha Vontade de Dizer Eu Te Amo pediu pr'eu mostrar este texto pra você. Enquanto eu escrevo, ela desfaz a bagagem. Minha Vontade de Dizer Eu Te Amo não quer ir embora.

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Ayrton Baptista Junior, hoje

sexta-feira, 12 de março de 2010

Máxima mínima

Com os relacionamentos anteriores aprendi a repetir os erros dos relacionamentos anteriores.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Até amanhã

Sem pudores, a janela fica aberta e venera o hoje que mora lá fora. Nele, há ruas ativadas por passos e falantes tão da casa, mas que agora assustam. Sei, porque lá não vou. Se for, saberei o quanto eles não me encolhem.

Cá dentro, trancas e trincos me desabonam para um salto. Penso o gesto mínimo como uma epopéia e caio a pensar no que ainda é matinal. Alguma poeira por assoprar, uma carta por abrir, estantes por limpar, um telefone por tocar. Há vida, creio, no lado de quem irá (?) soar no interfone. Ir à ela é que são elas.

Deito no espaço que me é muito. Perto, coisas que me foram caras e que parecem nada. Nem crenças mais tenho de que a janela será fechada. Espero chuva e pálpebras que me baixem a vista. No certificado de que não há alguém pedaços de ontem me atiçam para o anteontem. Sem passaporte, passeio em risos e choros. Num segundo que me devolve ao presente acho uma corda que me equilibra entre becos e clarões.

Ouço que sou mais ao dia, mesmo à noite. Falo que sou mais à noite, mesmo ao dia, mas invoco: já é tarde. Tarde tanta que já não acenaria bom dia. Espero a noite para afirmar ao sol o quanto ele é escuro. De tanto escuro, no todo invisível. Ah, como eu tenho razão! O dia que da janela é claro será finado em dizeres de boa noite e sequer terá passado de um dia.

Sei que ele irá como foi: inibido, nada festivo e de nada vestido. Alguém discorda? Até amanhã! Por ora, apenas um dia levado por horas e minutos. Afinal, um espaço de tempo que só serve para ser vivido.

terça-feira, 9 de março de 2010

Árvores Abatidas: Rosana Stavis em casa

Rosana Stavis talvez não saiba a grande atriz que é. Mas quem ganhar um tempo vendo o monólogo Árvores Abatidas vai saber. Ela precisa somente do ótimo texto do austríaco Thomas Bernhard (1931-1989) e do violinista Roger Vaz, que a acompanha no palco, para transformar um tapete e uma poltrona no cenário da nobre recepção ao “famoso ator do teatro nacional que faz até telenovela”.

Com deboche e decepção, Rosana apresenta o baile da inveja e da mediocridade que é um encontro da classe teatral de Viena. Neste sórdido ambiente, o sucesso alheio soa como crime e a queixa comum é “mais valem cinco minutos na televisão do que trinta anos de teatro”. No olhar dela, todas aquelas pessoas eram admiráveis em seus dias de juventude e agora, mal esbarradas na meia-idade, já são velhacas.

Deve ser horrível conviver com os artistas de Viena… Mas quem se julga acima dos medíocres não se reconhece como um deles: eis a armadilha que o texto prepara para a protagonista.

Rosana é quatro em uma: interpreta a atriz que enxerga na morte da melhor amiga o sepultamento de seus sonhos; se multiplica nas vozes dos personagens secundários; atua como narradora em terceira pessoa; e encerra falas com recursos de cantora lírica, dialogando magistralmente com o violino. No auge da sátira, solta uma Aracy de Almeida para criar uma ranzinza crítica.

Quanto mais a história avança mais Rosana e a poltrona se aproximam do espectador da Casa do Damasceno, onde a peça dirigida e adaptada por Marcos Damasceno é encenada. O nome do local tem tudo a ver com a atriz. No palco, Rosana está em casa.

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Ayrton Baptista, em agosto de 2008

segunda-feira, 8 de março de 2010

Máxima mínima

Eu era devagar, agora sou rápido. Um dia eu chego na hora!

terça-feira, 2 de março de 2010

Toc-toc, Péééiiiiiin, Dim-dom

Escada encardida, corrimão de verniz secular, corredor sombrio, luz cinqüenta velas. Parede de esmalte seco. Portas: quatro.

Toc-toc: a velhinha. O velho álbum, a tevê em preto-e-branco, a radiola, o gato, a página de anúncio classificado estendida no piso não encerado, o emoldurado retrato de casamento na cômoda, a goteira, o carcomido tapete à beira da cama, dois 3x4 do filho no criado mudo, resto de tecido preso na máquina de costura, o calendário do mês atrasado, o sorriso da bisneta, a conta da luz (paga) do mês vigente na entrada, o rádio quebrado de ondas curtas, revistas que custaram cruzeiros, o pequeno baú sobre o guarda-roupa, o vestido branco estampado de margaridas, o telefone sem teclas, o nome do falecido na correspondência.

Péééiiiiiin: o meia-idade. O recorte do encontro de cineclubistas, rabiscos e sorriso de moça no porta-retrato, a tevê a cores, a cama por arrumar, a máquina de escrever, a poeira no disco do três-em-um, o guarda-roupa sem portas, o cartaz da peça revolucionária, a geladeira mal fechada, um escritor há muito esquecido em três ensaios de jornal, a filmadora super-8, a calça boca-de-sino no pôster, duas latas de cerveja amassadas no canto da sala, a gaveta de escritos mimeografados, cicatrizes no corpo, o telefone com teclas, o livro de poemas da irmã desaparecida.

Dim-don: a estudante. A bolsa da faculdade de filosofia, o controle remoto da tevê, a sandália preta, o aparelho de CD, dois cigarros no maço, a esponja de aço gasta em cima do prato do almoço, o pedaço de papel com um nome e vários números anotados no bolso de trás da calça, três folhas caindo da agenda, o rádio ligado baixo no programa de blues, fiapo de algodão no frasco de desodorante, o grampo de cabelo na pia, a camisa da banda de rock, o recheio de queijo e presunto no pão, a infância numa fotografia da escola, o telefone celular, a página marcada no livro da escritora suicida.

Quarta porta: olho mágico, pintura descascada, um fio de campainha à solta, um número deslocado no alto. Sobre o capacho o jornal de ontem não recolhido, duas correspondências e o transbordar de manchas de sangue que nasce no lado de dentro do apartamento.

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Ayrton Baptista Junior, em 1999

segunda-feira, 1 de março de 2010

Crônicas carnavalescas-III: O folião encontra o carnaval

Ano após ano, prosseguia o meu calvário de folião à procura de um carnaval de marchinhas em Curitiba. Quando soube que tal bar tocou Aurora , já era cinzas de quarta-feira. Mas desta nada deteve minha fantasia: eu soube antes!

Vestido de eu mesmo, fui ao Blues Velvet Bar, um templo da Trajano Reis que louva B. B. King e Chet Baker, mas que, durante três noites, pôs Braguinha, João Roberto Kelly e Mário Lago no altar. De início, percebi que a porção entusiasmada era minotária. Muitos trausentes do salão não sabiam o que fazer diante daquele dialeto recheado de "ô-ô-ô".

O placar aparantemente adverso não desanimou a BateBoca, jovem banda de velhas marchas e nem seus aliados foliões. Munidos de pierrôs, colombinas, arlequins, piratas-da-perna-de-pau, Auroras e cabeleiras do Zezé, viramos o jogo de goleada. De desanimado, só restou aquele ali no canto, a exceção que faz a regra.

Feliz, entre confetes e serpentinas, suei a camisa e cantei a marcha do folião que encontrou o carnaval. Ala-la-ô!

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Máxima mínima

Encontrei uma mulher de valor, mas o valor era alto: duzentão mais o táxi.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Goteira no Funeral (teatro)

de Ayrton Baptista Jr.

Personagens: Vicentina (mãe) e Maria Virgínia (filha), ambas vestidas de preto.

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Vicentina: Minha filha, não saia da porta! Não deixe aparecer o verdureiro.

Maria Virgínia: Por que, mamãe?

Vicentina: Que ninguém insinue que Maria Vicentina Píerângelo mantém relações muito apessoadas com indivíduos deste escalão.

Maria Virgínia: Estou vigilante, mamãe! Vai que o verdureiro aparece para saber quando vamos pagar a feira...

Vicentina: Ah! Que saudades do enterro de seu avô! Veio até ministro. Mas não há mais velórios como naquela época. Quando seu avô morreu Isadora Caldas Cerqueira apareceu com um longo preto exclusivo do Guilherme Guimarães. Morrer era uma alegria!!!

Maria Virgínia: Os vizinhos já estão se mexendo para vir aqui. Um silêncio! Faz uma hora que não se ouve o carro do sonho nessa rua.

Vicentina: Que vizinhos? Não pedi pra virem. Não telefonei, nem mandei anunciar na rádio.

Maria Virgínia: Na rádio, papai só seria anunciado se tivesse sido baleado num viaduto. E desde que não interrompesse o ataque do Coxa.

Vicentina: Aí, ele seria homenageado numa grande passeata pela paz!

Maria Virgínia: Eu não seria tão exclamativa! Essas passeatas não celebram indivíduos com boca em estado precário, mamãe. É só para quem sorri em comercial de pasta de dente. Por falar em margarina... Não tem lanche pros convidados?

Vicentina: Não me faça chorar... Ah... Os quitutes que a Iguaçu preparava quando esta cidade parava para ver um funeral dos Pierângelo. Era feriado nacional!

Maria Virgínia: Mamãe, esse tempo já foi. Ah... O funeral ficou em três prestações. Pedi um abatimento, lembrei que a família era cliente especial. O moço disse “volte sempre”, mas não teve fita amarela. Só choro e vela.

Vicentina: Três prestações? O homem tomba uma vez só e eu ainda tenho que pagar três prestações? Desse jeito é preferível continuar vivo. É preciso penhorar o bolso antes de ser enterrado?


Maria Virgínia: E ainda tem a dívida do carro.

Vicentina: Do carro da funerária?

Maria Virgínia: Não, as parcelas do Corsa. Papai ficou devendo cinco e não pôde concorrer a viagem para a Copa. Pão de novo-pobre quando cai no assoalho está sempre com requeijão virado para baixo.

Dona Vicentina: As dívidas que morram com o endividado! E você não desgrude da porta. Não deixe o jardineiro aparecer.

Maria Virgínia: Mas não era o verdureiro?

Dona Vicentina: Também. Mas o jardineiro pode vir com flores como se tivesse alguém pedindo enterro aqui.

Maria Virgínia: E não tem?

Dona Vicentina: Mas, claro que não. Seu pai será cremado!

Maria Virgínia: Cremado? Mas ele pediu isso?

Dona Vicentina: E quem é seu pai para pedir isso ou aquilo? Não paga dívida e ainda quer solicitar? Não sou guichê de reclamações. Vai ser cremado e terá suas cinzas jogadas no Rio Sena.

Maria Virgínia: No Rio Sena? Mamãe, essas mortes que saem até no Bessa são muito, muito... Caras! Acho que papai já ficará sorridente se ouvir o nome dele no José Domingos.

Dona Vicentina: Mas você sempre para estragar a fantasia. Parece goteira no Curitibano. Sei lá! Distribuem jogo de cama, de mesa, de banho nessas revistas... Não sorteiam jogo de funeral, não?

Maria Virgínia: Não podemos lançar as cinzas na praia? Uma amiga minha jogou o pai dela em Matinhos. É que ele saía no Caiobanda e foi dentro de garrafão de Campo Largo.

Vicentina: Garrafão? De onde saiu este vocábulo, Maria Virgínia? Aluna do Divina não se apropria deste sotaque de operário. Aonde você conheceu esta primogênita de degustador de tão inapropriado líquido?

Maria Virgínia: Na Realeza!

Vicentina: Aiii! Não acredito! Sonhei em te matricular no melhor adestrador de escargot do Ile De France e agora meus tímpanos são alvo de tal desonra que lembra minha infância fúnebre. Vou deserdá-la!

Maria Virgínia: Deserdar? Eu lá quero aquela máquina de costura... Eu, hein? Reumatismo aqui nem no intervalo comercial! E que infância fúnebre foi essa?

Vicentina: Era forçada todo ano a ouvir aquele cortejo de lamentos. Uma desgraça só (canta) “Se você fosse sincera...”

Maria Virgínia: (canta) “Ô, ô, Aurora!”. Mas isso é uma marchinha, alegre. (canta) “Veja só que bom que era”.

Vicentina: Que bom que era se Aurora não fosse mentirosa. E ainda havia mais tragédia. (canta) “Foi a camélia que caiu do galho deu dois suspiros e depois morreu”.

Maria Virgínia: Mas o povo se divertia!!!

Vicentina: Se divertia? (canta) “Por causa de uma colombina acabou chorando, acabou chorando...”. É alegre isso? Mas, felizmente tudo se acabou numa quarta-feira de cinzas, quando conheci seu pai.

Maria Virgínia: Se não fosse papai você estaria como cobradora até hoje, com a bunda na cadeira a catar moedas trocadas na roleta. “Moça, esse ônibus pára na Tiradentes?”.

Vicentina: Que cobradora, minha filha??? Gerente do departamento financeiro do Comendador Roseira-Raquel Prado. Cobradora é nestes pestilentos que te levam para o, com perdão da má palavra, Tatuquara.

Maria Virgínia: E qual é a diferença?

Vicentina: Não seja desaforada! No Roseira era preciso ter classe. Um dia barrei a mulher de um camelô que ousou adentrar o veículo com uma sandália em frangalhos.

Maria Virgínia: O quê??? Você fez isso?

Vicentina: Claro. Era preciso ter charme para desfilar naquele encerado. Um dia até elegemos a mais elegante!

Maria Virgínia: E quem ganhou?

Vicentina: Uma administradora de funções domésticas muito bem apessoada do Cajuru. Não repetia roupa a mocinha.

Maria Virgínia: Administradora de funções domésticas, vulgo empregada.

Vicentina: Não me provoque, Maria Virgínia!!!

Maria Virgínia: E qual foi o prêmio? Um vestido de gala pro Grande Prêmio Paraná? Convite pra matinê no Ópera?

Vicentina: Isso mesmo. Cine Ópera! Para ver Anouk Aimée e Jean-Louis Trintignant. “Um Homem, Uma Mulher”. Foi uma manhã de luxo, a da entrega do prêmio. Eu cantava (canta) “É melhor ser alegre que ser triste. Alegria é a melhor coisa que existe. É assim como a luz no coração”.

Maria Virgínia: Essa (canta) “luz no coração...” lembra que a daqui de casa já venceu. E com esse velório vamos precisar de ajuda dos vizinhos.

Vicentina: Nunca! Pode avisar a funerária que não vai ter mais cemitério, vamos enterrar aqui mesmo.

Maria Virgínia: E os vizinhos, mamãe? O que não vão pensar?


Vicentina: Ah... Agora é você quem pergunta, né? Vai ser aqui no quintal com um concerto.


Maria Virgínia: Recital? E quem virá musicar o aroma que exala deste cadáver enquanto ele apodrece?

Vicentina: Teu pai demorou um ano para morrer. Não custa esperar mais uns dias. A Diana, a leidi dai, ficou três dias quieta, no caixão, ouvindo o Elton John.

Maria Virgínia: Coitada!!! E não reclamou?

Dona Vicentina: Vou telefonar para o Ivon Curi.

Maria Virgínia: O Ivon Curi morreu, mamãe!

Vicentina: Morreu? Mas que sujeito ingrato!!! Pra cantar na casa da Lili Marinho ele estava vivo...

Maria Virgínia: Artistas são movidos a cachê. Que tal chamar um calouro? Tenho uma amiga da pós que tem uma prima que já cantou na... Deixa. No seu enterro vou convidar o Cauby Peixoto.“Vivia no morro a sonhar com coisas que o morro não tem”.

Vicentina: Meu enterro? Você quer que eu morra, Maria Virgínia???

Maria Virgínia: Mamãe, um funeral de classe, como você merece, tem que ser planejado com muita antecedência. Contratar buffet, artistas, vestido exclusivo. Mas saiba que para ter luzes não se pode morrer num dia qualquer.

Vicentina: Tem dia ideal?


Maria Virgínia: Quarta-feira. Dá tempo de ser capa nas revistas de domingo. E se for até o meio da tarde, ocupa um bloco inteiro do Jornal Nacional, com direito à lágrima da Fátima Bernardes. Mas se morrer na sexta-feira...

Vicentina: Sexta-feira não sai com foto na capa?

Maria Virgínia: Apenas duas linhas na seção Morreram, ao lado de outros 78 coitados filhos de Maria, na penúltima página do caderno de classificados, procurando vaga entre anúncios de cães perdidos.

Vicentina: Credo! Como é triste morrer numa sexta-feira. Pena que não fizemos esse planejamento para o seu pai.

Maria Virgínia: Mamãe, ainda há uma solução. Li no jornal que vem chuva à noite.

Vicentina: Chuva? E isso muda a morte da bezerra? Digo, a morte de seu pai?

Maria Virgínia: Chuva, dilúvio. Para inundar a cidade. Aí ninguém sai de casa, ninguém vê enterro... Ninguém vai saber se o verdudeiro e o jardineiro estiveram aqui. “Tomara que chova três dias sem parar”

Estrondo de chuva, temporal.
Mãe e filha cantam abraçadas.

Música ao fundo:
“Tomara que chova três dias sem parar
A minha grande mágoa
É lá em casa não ter água
E eu preciso me lavar”.

FIM

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Espelho na primavera

Não foi a insônia a vilã daquela noite. Alguém bateu na porta com insistência. Quem? Foi olhar e viu ninguém e uma intimação: comparecer ao tribunal que a acusava de ser bela.

Intimidada, juntou cartas e fotos amareladas e algumas rugas para se defender. Argumentou que a acusação seria justa em outras primaveras, não agora. Não convenceu.

Num intervalo, correu ao espelho, mas este negou socorro e, para agravar, covardemente juntou-se ao júri, disparando linda, gostosa e outros palavrões. Um, mais exaltado, disse que por ela seria capaz até de viver.

Era uma contra o mundo. Impiedoso, o meritíssimo bateu o martelo e a condenou a se enxergar.

De volta ao seu canto, atordoada, sem entender nada, começou a passear em si mesma. Percorreu uma estrada de sensações e aromas que julgava não mais lhe pertencer. Entre lagoas ensolaradas e abajures à meia-luz, descortinou fantasias, foi ora romântica, ora (muito) levada e sempre ela mesma. Descobriu-se intensa, plena e dona de todos os atributos que ouvia quando menina.

Senhora de si, ousou ir à rua e encontrou uma avenida de espelhos: certificou-se de que era bela, que o tribunal tinha razão e que não havia mais o que fazer a não ser viver e receber flores... sem saber porque.

Não será uma manhã de primavera?

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Ayrton Baptista Junior

Máxima mínima

Ela acha que não sou pra casar. Não me convida para o supermercado.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Crônicas Carnavalesas-II: Preservem a Amazônia longe daqui

No desfile das escolas de samba de Curitiba, sábado, duas escolas cantaram as belezas da Amazônia. Não cativaram nem a platéia e nem os jurados: a Internautas permaneceu no grupo B e a Unidos do Bairro Alto caiu do grupo A. E já que a Amazônia não encantou, fica aqui o meu apelo: "Gente, vamos falar da gente!"

Pô, tem tanta coisa pra contar! Só de Curitiba: bala Zequinha, rua XV, Rádio Clube Paranaense, Belarmino e Gabriela, rede ferroviária, Janguito do Rosário, Ney Souzah, A Chave, histórias da Barreirinha, do Batel, do Boqueirão...

Que o regulamento obrigue a adoção de temas paranaenses. Nada contra os outros, mas este já têm horas e vezes no magnífico espetáculo do Rio de Janeiro. É preciso preservar a Amazônia. E também é preciso preservar Curitiba.

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O desfile não é o defunto que apregoam. Quanto mais querem matá-lo, mais ele vive. Briga boa entre Leões da Mocidade (apostei nela), Embaixadores da Alegria e Realeza.

César Miranda é o carnavalesco da bicampeã Realeza.
César Miranda pode esperar! A sua hora de ditar o ritmo na Sapucaí vai chegar!

sábado, 13 de fevereiro de 2010

No quarto com Marina

Um ritual me acometia diariamente no final de 1984. Passada a meia-noite, eu acertava a sintonia 93,9 Mhz no aparelho três-em-um e passava a percorrer o quarto escuro à espera de uma música.

A rádio Capital FM não ocupava a ponta de cima da audiência. Longe do assédio das gravadoras, creio que recorria àquela faixa, naquele fim de programação, por gosto da locutora, a Cibele (que eu nunca conheci). Me Chama já era sucesso na voz de Lobão, seu autor, mas o meu travesseiro era ouvi-la no canto de Marina Lima que, durante três minutos, causava algo mágico no escuro do meu quarto.

"Aonde está você/me telefona/me chama”

Não tinha porque esperar o chamado. A menina com quem eu sonhava sequer tinha o meu telefone. Apesar da melancolia de "tá tudo cinza sem você/tá tão vazio”, a canção nunca me despertou uma “lágrima no escuro”. Naquele verão, ouvir Marina era crer na primavera que em alguma manhã, talvez na próxima, me chegaria.

Marina já me apaixonou em várias canções (Me Chama nem é a melhor levada dela). E, como na rotina de qualquer casamento (incluindo os meus com os meus mitos), ela me aborreceu não poucas vezes. Mas não peço divórcio: sei que volto para ela.

Não tenho vontade de retornar àquele quarto (continuo na mesma casa). Me Chama, às vezes, toca no rádio sem aviso prévio. E ainda é uma mágica que surge à minha procura, como um raio de sol pessoal e intransferível, iniciado com “Chove lá fora e aqui...

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Crônicas carnavalescas-I: Atravessando o silêncio

Há quase 50 anos, alguém sugeriu que Curitiba oferecesse outras artes aos turistas durante o Carnaval: orquestra sinfônica, exposições, teatro, etc. Desconheço o pai da criança (aproximados 17.385 se apresentam como tal), mas reconheço que tão duradoura ideia merece tombamento pelo Patrimônio Histórico.

Tão senhora de idade quanto a Bossa Nova, esta discussão me torna um ferrenho cultivador das nossas serpentinas. Afinal, a morte do Carnaval (que existe, sim, tenho testemunhas) seria a morte do debate.

Lamento que não haja mais a contenda entre Glauco Souza Lobo, folião e ex-presidente da Fundação Cultural de Curitiba, e Ernani Buchmann, publicitário e integrante do CCCC (Comando de Caça aos Carnavalescos de Curitiba). Na década de 1980, eles se digladiavam na arena do QI na TV, programa mediado pela jornalista Rosane Albino na RIC TV, canal 7.

Eram debates calorosos. Superavam até os sopapos que os dirigentes das escolas de samba trocavam durante a apuração no Instituto de Educação (neste dia, sem educação). Certa vez, Buchmann tachou de pálido o desfile. Indignado, Lobo acusou o adversário de ser um folião enrustido, de ter ameaçado sambar durante a passagem da Mocidade Azul pela Marechal Deodoro. Buchmann rebateu, afirmando que seu tímido bater de pé esquerdo era sinal de impaciência, vontade de ir embora.

O programa acabou, mas o debate sobre o carnaval de Curitiba continua sendo o grande evento do carnaval de Curitiba. Porém, já não se fazem mais carnavais como antigamente: o Glauco Souza Lobo não aparece mais para delatar quem ousa sambar atravessando a passagem do silêncio.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Máxima Mínima

Par perfeito só encontrei na Pague Menos Calçados.

Uma bela viagem sobre cordas

Viver como estrangeiro é se equilibrar sem rede de proteção, comunicam os sete atores de A-Corda, o novo embarque da Cia. Do Abração. A condição de forasteiro, entretanto, é descrita como fascínio, e não incômodo, nesta bela conciliação entre voz e movimento corporal (teatro-dança, para os íntimos) que merece sair do Jardim Social, bairro-sede do grupo curitibano, e viajar mundo afora.

Com fortes batidas de pé no chão, o elenco cria um trem imaginário que traz o hindu, o latino, a escandinava, o sertanejo, o africano. Ao desembarcar, os imigrantes se instalam nas várias cordas que habitam o palco-galpão, caminhando em todas as direções (vertical, horizontal), e percorrem, através da precisa iluminação, cores de todos os climas: a névoa, a palidez amarela, o vermelho de sol intenso.

Costuram os movimentos falas que ressaltam a inquietude e a incerteza destes viajantes que não têm saudades de casa. Aliás, há quem não tenha casa: “Meu lar é o meu sapato”, avisa o paraguaio que, alerta o brasileiro, canta mal o samba de Martinho da Vila. O texto se repete na boca de quase todos, deixando claro uma visão comum entre os inquietantes viajantes ricos e pobres, primeiro e terceiro-mundistas, de ambições regionais e cosmopolitas, que se encontram no Abração.

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Ayrton Baptista Junior, março de 2009

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Armada a lápis (fábula)

A escritora lamentava uma página sobre a hostilidade do mundo quando foi abruptamente interrompida. Ela se assustou, mas logo reconheceu aquela aluna armada com lápis, papel e sonhos e se rendeu.

A menina tirou a borracha do estojo, apagou a crueldade que o jornal publicava e sorriu. A adulta sentiu-se condenada a ser feliz e, sem saber como ou porque, voltou a uma sala da infância. Observou o quadro negro, ouviu o sino tocar entre o silêncio e reencontrou a menina, agora criadora de um mundo harmonioso numa folha de caderno.

A escritora soltou lágrimas, despediu-se lentamente da sala e sorriu como a aluna ao entregar a redação. Nada mais a abateu. Nem o mundo, nem a madre, nem a inspetora.

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Ayrton Baptista Junior, novembro de 2009

Saindo do calabouço

Qual é a cãmera? Qual é a câmera?
Ressuscito este blog, outrora voltado ao rádio e à televisão de Curitiba, para falar de eu, tu, ele, nós, vós e eles.