quinta-feira, 18 de março de 2010

Agulhas de Depoimento cutucam atores, público e sistema de saúde

Para saber o que é a dor é preciso senti-la. Você já ouviu isto em algum lugar. Na peça Depoimento, que aborda o caos da saúde pública, aborto e tabus da sexualidade, a dor não é discurso. Ela é sentida literalmente pelo trio de atores do grupo Protótipo Utópico, de Londrina.

Inicia a história uma vítima de fratura no pé (Monica Bernardes), que espera três horas na fila de um hospital. A seguir, o andrógino (Normando Amazonas) aborta.

Acompanha a ação uma mesa com medicamentos, uma chapa para fritar bife e uma bacia. Parece dramático. E é, mas também é questionador da reação da própria platéia, pois nos é permitido conversar, andar, falar com os atores e até ao celular e rir da desgraça alheia.

Eu ri sem esconder enquanto Monica Bernardes quase vomitava ao comer bife de fígado, o que ela confessou odiar. E conversei tranquilamente com o ator-diretor Aguinaldo de Souza vendo o público o alfinetar com agulhas e ele tirar sangue da própria veia antes de rastejar até a calçada. Não é que eu seja sádico. É que Depoimento vai além do sofrimento ou do caos do sistema de saúde. É uma ótima quebra de barreira ator-personagem. Crítica ou exibicionismo? Some os dois e tenha uma contundente provocação.

Faltou mais daqueles incômodos cheiros de medicamento e alguns penicos para o espectador vomitar. São os únicos senões desta performance (e eu não sou de embarcar em qualquer performance). É que neste Depoimento quanto maior o mau gosto melhor o gosto.

*****

Ayrton Baptista Junior, hoje

Nenhum comentário: