quarta-feira, 10 de março de 2010

Até amanhã

Sem pudores, a janela fica aberta e venera o hoje que mora lá fora. Nele, há ruas ativadas por passos e falantes tão da casa, mas que agora assustam. Sei, porque lá não vou. Se for, saberei o quanto eles não me encolhem.

Cá dentro, trancas e trincos me desabonam para um salto. Penso o gesto mínimo como uma epopéia e caio a pensar no que ainda é matinal. Alguma poeira por assoprar, uma carta por abrir, estantes por limpar, um telefone por tocar. Há vida, creio, no lado de quem irá (?) soar no interfone. Ir à ela é que são elas.

Deito no espaço que me é muito. Perto, coisas que me foram caras e que parecem nada. Nem crenças mais tenho de que a janela será fechada. Espero chuva e pálpebras que me baixem a vista. No certificado de que não há alguém pedaços de ontem me atiçam para o anteontem. Sem passaporte, passeio em risos e choros. Num segundo que me devolve ao presente acho uma corda que me equilibra entre becos e clarões.

Ouço que sou mais ao dia, mesmo à noite. Falo que sou mais à noite, mesmo ao dia, mas invoco: já é tarde. Tarde tanta que já não acenaria bom dia. Espero a noite para afirmar ao sol o quanto ele é escuro. De tanto escuro, no todo invisível. Ah, como eu tenho razão! O dia que da janela é claro será finado em dizeres de boa noite e sequer terá passado de um dia.

Sei que ele irá como foi: inibido, nada festivo e de nada vestido. Alguém discorda? Até amanhã! Por ora, apenas um dia levado por horas e minutos. Afinal, um espaço de tempo que só serve para ser vivido.

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