terça-feira, 30 de março de 2010

Meus Grandes Fracasssos da Minha Humanidade-I

Não suporto mulheres inteligentes. Elas sempre percebem a minha ignorância.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Agulhas de Depoimento cutucam atores, público e sistema de saúde

Para saber o que é a dor é preciso senti-la. Você já ouviu isto em algum lugar. Na peça Depoimento, que aborda o caos da saúde pública, aborto e tabus da sexualidade, a dor não é discurso. Ela é sentida literalmente pelo trio de atores do grupo Protótipo Utópico, de Londrina.

Inicia a história uma vítima de fratura no pé (Monica Bernardes), que espera três horas na fila de um hospital. A seguir, o andrógino (Normando Amazonas) aborta.

Acompanha a ação uma mesa com medicamentos, uma chapa para fritar bife e uma bacia. Parece dramático. E é, mas também é questionador da reação da própria platéia, pois nos é permitido conversar, andar, falar com os atores e até ao celular e rir da desgraça alheia.

Eu ri sem esconder enquanto Monica Bernardes quase vomitava ao comer bife de fígado, o que ela confessou odiar. E conversei tranquilamente com o ator-diretor Aguinaldo de Souza vendo o público o alfinetar com agulhas e ele tirar sangue da própria veia antes de rastejar até a calçada. Não é que eu seja sádico. É que Depoimento vai além do sofrimento ou do caos do sistema de saúde. É uma ótima quebra de barreira ator-personagem. Crítica ou exibicionismo? Some os dois e tenha uma contundente provocação.

Faltou mais daqueles incômodos cheiros de medicamento e alguns penicos para o espectador vomitar. São os únicos senões desta performance (e eu não sou de embarcar em qualquer performance). É que neste Depoimento quanto maior o mau gosto melhor o gosto.

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Ayrton Baptista Junior, hoje

terça-feira, 16 de março de 2010

O apreciador e a porcelana

Ao perceber a porcelana, o apreciador se aproxima, dá uma volta, se aproxima novamente. A porcelana desconfia que ele procura a seção de brinquedos.

O apreciador dá outra volta, se aproxima novamente, como quem avisa não querer brinquedos e que sabe admirar a porcelana. Quando a encontra.

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Ayrton Baptista Junior, em 2000

sábado, 13 de março de 2010

Minha Vontade de Dizer Eu Te Amo leu no jornal que o Amor saiu de moda

A campainha tocou insistentemente. “Quem será o chato? Logo num sábado de manhã?” Mas que nada... Uma visita muito especial: Minha Vontade de Dizer Eu Te Amo! Falei dela naquela noite. Lembra? Menina, você não sabe o bem danado que Minha Vontade de Dizer Eu Te Amo me traz.

Abri a porta, Minha Vontade de Dizer Eu Te Amo entrou, bateu no teto, de enorme que é, e mostrou um recorte de jornal. Veja que não é criança Minha Vontade de Dizer Eu Te Amo. É do tempo do jornal...

Alguém escreveu que o Amor saiu de moda. “Você acredita?”. Respondi que não, que já anunciaram a decadência de tanta coisa, do jeans, até da novela, e lembrei que o Amor é mais popular que a Coca-Cola. Por mais que o guardem numa fotografia, num arquivo de computador, todos querem levá-lo pra passear num sábado como hoje. Não tem jeito do Amor acabar!

Me empolguei tanto que Minha Vontade de Dizer Eu Te Amo sorriu ainda mais. A conversa prosseguiu, ofereci café e bolachas, mostrei a canção da Cris Mora: “O tempo de chorar... passou!/Ah... coração meu/amanheceu/Vem ver o sol que nasce na janela”.

Quem a conhece fala que Minha Vontade de Dizer Eu Te Amo é jovial, alegre, que nada a derruba. Se você tiver um tempinho (sei que a vida está corrida), eu te apresento ela.

Minha Vontade de Dizer Eu Te Amo pediu pr'eu mostrar este texto pra você. Enquanto eu escrevo, ela desfaz a bagagem. Minha Vontade de Dizer Eu Te Amo não quer ir embora.

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Ayrton Baptista Junior, hoje

sexta-feira, 12 de março de 2010

Máxima mínima

Com os relacionamentos anteriores aprendi a repetir os erros dos relacionamentos anteriores.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Até amanhã

Sem pudores, a janela fica aberta e venera o hoje que mora lá fora. Nele, há ruas ativadas por passos e falantes tão da casa, mas que agora assustam. Sei, porque lá não vou. Se for, saberei o quanto eles não me encolhem.

Cá dentro, trancas e trincos me desabonam para um salto. Penso o gesto mínimo como uma epopéia e caio a pensar no que ainda é matinal. Alguma poeira por assoprar, uma carta por abrir, estantes por limpar, um telefone por tocar. Há vida, creio, no lado de quem irá (?) soar no interfone. Ir à ela é que são elas.

Deito no espaço que me é muito. Perto, coisas que me foram caras e que parecem nada. Nem crenças mais tenho de que a janela será fechada. Espero chuva e pálpebras que me baixem a vista. No certificado de que não há alguém pedaços de ontem me atiçam para o anteontem. Sem passaporte, passeio em risos e choros. Num segundo que me devolve ao presente acho uma corda que me equilibra entre becos e clarões.

Ouço que sou mais ao dia, mesmo à noite. Falo que sou mais à noite, mesmo ao dia, mas invoco: já é tarde. Tarde tanta que já não acenaria bom dia. Espero a noite para afirmar ao sol o quanto ele é escuro. De tanto escuro, no todo invisível. Ah, como eu tenho razão! O dia que da janela é claro será finado em dizeres de boa noite e sequer terá passado de um dia.

Sei que ele irá como foi: inibido, nada festivo e de nada vestido. Alguém discorda? Até amanhã! Por ora, apenas um dia levado por horas e minutos. Afinal, um espaço de tempo que só serve para ser vivido.

terça-feira, 9 de março de 2010

Árvores Abatidas: Rosana Stavis em casa

Rosana Stavis talvez não saiba a grande atriz que é. Mas quem ganhar um tempo vendo o monólogo Árvores Abatidas vai saber. Ela precisa somente do ótimo texto do austríaco Thomas Bernhard (1931-1989) e do violinista Roger Vaz, que a acompanha no palco, para transformar um tapete e uma poltrona no cenário da nobre recepção ao “famoso ator do teatro nacional que faz até telenovela”.

Com deboche e decepção, Rosana apresenta o baile da inveja e da mediocridade que é um encontro da classe teatral de Viena. Neste sórdido ambiente, o sucesso alheio soa como crime e a queixa comum é “mais valem cinco minutos na televisão do que trinta anos de teatro”. No olhar dela, todas aquelas pessoas eram admiráveis em seus dias de juventude e agora, mal esbarradas na meia-idade, já são velhacas.

Deve ser horrível conviver com os artistas de Viena… Mas quem se julga acima dos medíocres não se reconhece como um deles: eis a armadilha que o texto prepara para a protagonista.

Rosana é quatro em uma: interpreta a atriz que enxerga na morte da melhor amiga o sepultamento de seus sonhos; se multiplica nas vozes dos personagens secundários; atua como narradora em terceira pessoa; e encerra falas com recursos de cantora lírica, dialogando magistralmente com o violino. No auge da sátira, solta uma Aracy de Almeida para criar uma ranzinza crítica.

Quanto mais a história avança mais Rosana e a poltrona se aproximam do espectador da Casa do Damasceno, onde a peça dirigida e adaptada por Marcos Damasceno é encenada. O nome do local tem tudo a ver com a atriz. No palco, Rosana está em casa.

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Ayrton Baptista, em agosto de 2008

segunda-feira, 8 de março de 2010

Máxima mínima

Eu era devagar, agora sou rápido. Um dia eu chego na hora!

terça-feira, 2 de março de 2010

Toc-toc, Péééiiiiiin, Dim-dom

Escada encardida, corrimão de verniz secular, corredor sombrio, luz cinqüenta velas. Parede de esmalte seco. Portas: quatro.

Toc-toc: a velhinha. O velho álbum, a tevê em preto-e-branco, a radiola, o gato, a página de anúncio classificado estendida no piso não encerado, o emoldurado retrato de casamento na cômoda, a goteira, o carcomido tapete à beira da cama, dois 3x4 do filho no criado mudo, resto de tecido preso na máquina de costura, o calendário do mês atrasado, o sorriso da bisneta, a conta da luz (paga) do mês vigente na entrada, o rádio quebrado de ondas curtas, revistas que custaram cruzeiros, o pequeno baú sobre o guarda-roupa, o vestido branco estampado de margaridas, o telefone sem teclas, o nome do falecido na correspondência.

Péééiiiiiin: o meia-idade. O recorte do encontro de cineclubistas, rabiscos e sorriso de moça no porta-retrato, a tevê a cores, a cama por arrumar, a máquina de escrever, a poeira no disco do três-em-um, o guarda-roupa sem portas, o cartaz da peça revolucionária, a geladeira mal fechada, um escritor há muito esquecido em três ensaios de jornal, a filmadora super-8, a calça boca-de-sino no pôster, duas latas de cerveja amassadas no canto da sala, a gaveta de escritos mimeografados, cicatrizes no corpo, o telefone com teclas, o livro de poemas da irmã desaparecida.

Dim-don: a estudante. A bolsa da faculdade de filosofia, o controle remoto da tevê, a sandália preta, o aparelho de CD, dois cigarros no maço, a esponja de aço gasta em cima do prato do almoço, o pedaço de papel com um nome e vários números anotados no bolso de trás da calça, três folhas caindo da agenda, o rádio ligado baixo no programa de blues, fiapo de algodão no frasco de desodorante, o grampo de cabelo na pia, a camisa da banda de rock, o recheio de queijo e presunto no pão, a infância numa fotografia da escola, o telefone celular, a página marcada no livro da escritora suicida.

Quarta porta: olho mágico, pintura descascada, um fio de campainha à solta, um número deslocado no alto. Sobre o capacho o jornal de ontem não recolhido, duas correspondências e o transbordar de manchas de sangue que nasce no lado de dentro do apartamento.

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Ayrton Baptista Junior, em 1999

segunda-feira, 1 de março de 2010

Crônicas carnavalescas-III: O folião encontra o carnaval

Ano após ano, prosseguia o meu calvário de folião à procura de um carnaval de marchinhas em Curitiba. Quando soube que tal bar tocou Aurora , já era cinzas de quarta-feira. Mas desta nada deteve minha fantasia: eu soube antes!

Vestido de eu mesmo, fui ao Blues Velvet Bar, um templo da Trajano Reis que louva B. B. King e Chet Baker, mas que, durante três noites, pôs Braguinha, João Roberto Kelly e Mário Lago no altar. De início, percebi que a porção entusiasmada era minotária. Muitos trausentes do salão não sabiam o que fazer diante daquele dialeto recheado de "ô-ô-ô".

O placar aparantemente adverso não desanimou a BateBoca, jovem banda de velhas marchas e nem seus aliados foliões. Munidos de pierrôs, colombinas, arlequins, piratas-da-perna-de-pau, Auroras e cabeleiras do Zezé, viramos o jogo de goleada. De desanimado, só restou aquele ali no canto, a exceção que faz a regra.

Feliz, entre confetes e serpentinas, suei a camisa e cantei a marcha do folião que encontrou o carnaval. Ala-la-ô!