Não foi a insônia a vilã daquela noite. Alguém bateu na porta com insistência. Quem? Foi olhar e viu ninguém e uma intimação: comparecer ao tribunal que a acusava de ser bela.
Intimidada, juntou cartas e fotos amareladas e algumas rugas para se defender. Argumentou que a acusação seria justa em outras primaveras, não agora. Não convenceu.
Num intervalo, correu ao espelho, mas este negou socorro e, para agravar, covardemente juntou-se ao júri, disparando linda, gostosa e outros palavrões. Um, mais exaltado, disse que por ela seria capaz até de viver.
Era uma contra o mundo. Impiedoso, o meritíssimo bateu o martelo e a condenou a se enxergar.
De volta ao seu canto, atordoada, sem entender nada, começou a passear em si mesma. Percorreu uma estrada de sensações e aromas que julgava não mais lhe pertencer. Entre lagoas ensolaradas e abajures à meia-luz, descortinou fantasias, foi ora romântica, ora (muito) levada e sempre ela mesma. Descobriu-se intensa, plena e dona de todos os atributos que ouvia quando menina.
Senhora de si, ousou ir à rua e encontrou uma avenida de espelhos: certificou-se de que era bela, que o tribunal tinha razão e que não havia mais o que fazer a não ser viver e receber flores... sem saber porque.
Não será uma manhã de primavera?
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Ayrton Baptista Junior
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